Universitária faz ensaio de formatura na comunidade onde morou, no Pará, e viraliza: 'Lugar com significado'

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Universitária faz ensaio de formatura na comunidade onde morou, no Pará, e viraliza: 'Lugar com significado'


Lais Ribeiro Gama, de 30 anos, lembrou a emoção de ser parabenizada por pessoas que conheceu ao longo dos 17 anos que viveu na comunidade Irmã Dulce, em Belém, e por desconhecidos também

PORTO VELHO, RO - Como você faria as fotos de sua formatura? A maioria dos universitários, sem dúvida, escolheria belos cenários para registrar esse momento. Lais Ribeiro Gama, de 30 anos, não. Após se formar no curso de Serviço Social da Universidade Federal do Pará (UFPA), ela escolheu a comunidade Irmã Dulce, em Belém — lugar que chama de "minha baixada" —, para fazer seu ensaio. A inusitada opção de Lais por mostrar o local onde viveu por 17 anos e onde sua família ainda mora encantou os internautas e viralizou nas redes sociais.

— Eu sempre quis fazer minhas fotos em um lugar com significado para mim. E eu falava brincando que ia fazer as minhas fotos na lama do campinho em frente à minha casa. Juntei o dinheiro para as fotos com ajuda da minha família e da minha sogra. E o Bruno (Campos) aceitou fazer — disse Lais, que compartilhou as fotos no último dia 21.

Ela contou ter se formado sem solenidade e sem sua turma porque passou no mestrado:

— E eu disse que pelo menos as fotos que sempre quis eu faria. E foi emocionante ver as pessoas passando e me parabenizando. Meus vizinhos, outras pessoas que nem me conheciam.

Lais disse que não esperava que sua foto e o texto em que fala sobre a opção por fazer o ensaio na Irmã Dulce repercutiriam tanto.

— Como minhas redes sociais eram fechadas, de início só eram meus amigos e conhecidos que compartilharam. Mas quando vi que muitas pessoas se identificaram com a minha história, decidi abrir minhas redes sociais. Não esperava tanta repercussão. Mas espero que minhas fotos sirvam como denúncia do abandono da comunidade Irmã Dulce: na baixada o único local de lazer é um campinho de piçarra em frente à minha casa . E como incentivo para quem ainda está lá na luta — afirmou.


Lais e o pai, Paulo Francisco Arcangelo Gama — Foto: Bruno Campos

Lais disse não gostar quando histórias como a dela são usadas para "justificar a desigualdade, como se tudo dependesse apenas da força de vontade:

— Na baixada o que não falta é força de vontade, mas a maioria só pode se dedicar a sobreviver. A conseguir a comida do dia. Eu fiz muitos sacrifícios para terminar essa graduação. Mas eu tive oportunidades que outros da minha família não tiveram. Como o meu pai, que não terminou a terceira série do fundamental, que trabalha como porteiro sem carteira assinada, que mora no trabalho. E que luta diariamente para sobreviver. Sempre contei com seu incentivo, mesmo sem ele compreender exatamente o que eu estudava.

Hoje ela não mora mais na Irmã Dulce.

— Moro em uma kitnet mais próxima à UFPA porque passei no mestrado com bolsa. Mais uma vez a educação mudando a minha vida — disse.


A universitária andando por uma das ruas da comunidade Irmã Dulce — Foto: Bruno Campos

Num texto postado no Facebook, Lais relatou as dificuldades pelas quais passou, a ajuda que recebeu de amigos que abriam suas casas para que ela pudesse ter acesso à internet e a generosidade de professores.

— Tive dois grandes orientadores: Jean-François Deluchy, do Cesip-Margear, e Reinado Pontes, do Gepss. Me cederam computadores, livros. O que garantiu minha permanência na graduação. São uma inspiração. E sempre me apoiaram. Até hoje — afirmou.

'Passamos por coisas semelhantes', diz fotógrafo

Bruno Campos trabalha com fotografia há seis anos e tem como carro-chefe os ensaios, que são grande parte de seu portfólio. De acordo com ele, foi o ensaio mais inusitado que iá fez.

— Geralmente quando faço ensaio de formatura, as peças querem uma praça, querem um lugar bonito. E aí quando ela falou que queria um ensaio de onde ela veio. E que ela tinha uma dificuldade de chegar na própria faculdade, por ser distante. Teve toda essa dinâmica. Foi por conta disso que me interessei em procurar essa história dela — contou.

Há quase um ano Bruno e Lais conversavam sobre o ensaio. Como também é da periferia, o fotógrafo se identificou com a história de vida de Lais:

— Passamos por coisas semelhantes em relação ao que a gente passou para conseguir uma graduação, algo melhor em nossas vidas.


Fonte: O Globo

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