Senado confirma Ketanji Jackson como 1ª juíza negra na Suprema Corte dos EUA

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Senado confirma Ketanji Jackson como 1ª juíza negra na Suprema Corte dos EUA



Magistrada foi aprovada mesmo após sofrer críticas duras da oposição republicana

PORTO VELHO, RO - Pela primeira vez desde a formação do país, uma mulher negra poderá dar a palavra final nas questões jurídicas dos Estados Unidos. Nesta quinta-feira (7), Ketanji Brown Jackson foi confirmada pelo Senado como juíza da Suprema Corte americana.

A aprovação de Jackson, 51, já tinha os apoios necessários antes do final da votação, realizada por volta das 14h (15h em Brasília). Indicada por Joe Biden em fevereiro, ela, que foi alvo de muitas críticas da oposição republicana, tomará posse no segundo semestre, quando começa o novo ano legislativo.

A Suprema Corte teve papel fundamental em sedimentar, e depois retirar, medidas racistas que se tornaram políticas de Estado. Em 1896, os juízes decidiram que segregar negros e brancos em espaços públicos não ia contra a Constituição. A decisão fez com que estados do Sul do país tivessem restaurantes, escolas e até assentos de ônibus em que negros não poderiam chegar perto.

A partir dos anos 1950, a corte mudou seu entendimento de que "segregados, porém iguais" era uma ideia funcional e passou a proibir a separação, o que fez com que os negros deixassem de ser barrados e tivessem mais condições de melhorar de vida.

Em 2022, Jackson chega à Suprema Corte em um novo momento de reavaliação de posturas. O principal tema em debate é o aborto, liberado pela própria corte em 1973. Alguns estados criaram leis locais que restringem o procedimento, e a Suprema Corte analisa se a medida de um deles, o Mississipi, é válida.

A decisão sobre este caso, ainda sem data confirmada para ocorrer, pode levar ao cancelamento da liberação de 1973, um sonho de muitos eleitores conservadores e republicanos. Atualmente, a corte tem seis juízes de inclinação conservadora e três mais liberais. A vinda de Jackson não mudará esta conta, pois ela entra na vaga do juiz liberal Stephen Breyer, 83, que pediu aposentadoria.

Assim, apesar de histórica, sua nomeação pode ter efeito reduzido sobre os rumos da corte no curto prazo, pela questão matemática. E Jackson também disse que não participará da votação de um caso sobre ações afirmativas em universidades, porque a ação envolve Harvard, universidade com quem ela tem relações.

A magistrada nasceu em Washington, em 1970. Seus pais estudaram em escolas segregadas. Depois, cursaram universidades voltadas para negros e começaram a carreira como professores na rede pública de Miami.

Quando ela era pequena, seu pai, Johnny Brown, decidiu mudar de carreira: foi estudar direito, se tornou advogado e inspirou a filha a seguir o mesmo caminho. "Algumas das minhas primeiras memórias são de ver ele sentado na mesa da cozinha, lendo livros jurídicos. Vi ele estudando e ele se tornou meu primeiro exemplo profissional", disse ela, em discurso em fevereiro.

Estudante com destaque em torneios de debate e oratória, conseguiu estudar direito em Harvard, universidade na qual foi subeditora da Harvard Law Review. Após se formar, foi assistente de alguns juízes, incluindo Breyer, que se aposenta agora.

Nos anos 2000, alternou períodos como advogada e defensora pública, em que atendia pessoas sem dinheiro. Assim, ela também é a primeira ex-defensora pública a chegar à Suprema Corte.

Em 2009, foi indicada pelo presidente Barack Obama para a vice-presidência da US Sentencing Comission, órgão federal que busca padronizar sentenças. Durante seu mandato, o departamento recomendou a redução nas penas para crimes ligados ao porte de drogas.

Quatro anos depois, Obama a nomeou para a Corte Distrital do Distrito de Columbia. No cargo, ela analisou processos envolvendo atos da Presidência, barrou uma tentativa do então presidente Donald Trump de ampliar a deportação de imigrantes sem ouvi-los em audiências e impediu três ordens executivas dele para limitar os direitos de trabalhadores federais, como a filiação a sindicatos.

Em junho de 2021, Jackson foi nomeada por Biden para a Corte de Apelações do Distrito de Columbia. A indicação foi aprovada no Senado na época por 53 a 44, com três votos de republicanos.

Na análise para o cargo atual, os republicanos foram mais duros. Durante a sabatina no Senado, ela passou mais de 23 horas respondendo questões dos senadores. O processo foi marcado por perguntas agressivas da oposição e senadores interrompendo respostas da magistrada para tentar reafirmar seus pontos. Do outro lado, democratas fizeram diversos elogios, que levaram a magistrada às lágrimas.

Alguns republicanos tentaram caracterizá-la como uma ativista de esquerda condescendente com o crime. Jackson é juíza federal há mais de dez anos e já deu penas menores do que o recomendado para acusados de envolvimento com pornografia infantil. O senador Ted Cruz chegou a levar um cartaz que exibiu sentenças dadas por ela ao lado das indicações federais —que são opcionais.

Jackson respondeu que a sentença deve levar em conta vários fatores. "Os juízes não estão em um jogo de números. Em cada caso, cumpri meu dever de responsabilizar os réus à luz das evidências e das informações apresentadas a mim", disse.

Ao longo do processo de nomeação, ela buscou se apresentar como uma pessoa muito grata ao apoio que teve da família e ligada à religião, mas capaz de separar seus valores pessoais da atuação profissional. "Minha fé é muito importante, mas, como você sabe, não há teste religioso na Constituição", respondeu, durante a sabatina.

Ela disse ter claro que o papel do juiz é aplicar as leis, não tentar modificá-las ou criar políticas públicas. "Sei que meu papel como juíza é limitado, que a Constituição me dá poder apenas para decidir casos e controvérsias que sejam apresentados apropriadamente", disse, pouco após ser indicada. "Tenho dedicado minha carreira a garantir que as palavras gravadas na frente do edifício da Suprema Corte, 'Justiça igualitária sob a lei', sejam uma realidade, não apenas um ideal."

A escolha de Jackson foi vista como um aceno de Biden ao eleitorado negro, que deu boa votação aos democratas em 2020. O presidente tem sido cobrado por algumas lideranças para fazer mais ações e menos discursos.

A perda deste eleitorado pode custar aos democratas o controle do Congresso, que está em jogo nas eleições legislativas de novembro. De acordo com o censo de 2020, os negros representam 12,4% da população dos EUA. São 41 milhões de pessoas.

A nova juíza será apenas a terceira pessoa negra a ser nomeada para a Suprema Corte. O primeiro foi Thurgood Marshall, indicado em 1967. Advogado, ele foi um dos principais responsáveis por derrubar as leis que protegiam a segregação.

Entre as mulheres, a primeira a chegar ao posto foi Sandra O'Connor, em 1981. Com a vinda de Jackson, a corte terá quase uma paridade entre gêneros, com cinco homens e quatro mulheres, pela primeira vez em 233 anos de história.

QUEM É QUEM NA SUPREMA CORTE DOS EUA HOJE

Ala conservadora

Jonh Roberts, 67
Indicado por George W. Bush em 2005. Ainda que seja considerado conservador, o atual presidente da Corte às vezes atua de forma moderada

Clarence Thomas, 73
Indicado por George Bush em 1991

Samuel Alito, 71
Indicado por George W. Bush em 2006

Neil Gorsuch, 54
Indicado por Donald Trump em 2017

Brett Kavanaugh, 57
Indicado por Trump em 2018

Amy Coney Barrett, 50
Indicada por Trump em 2020

Ala progressista

Stephen Breyer, 83 (se aposenta e dará lugar a Ketanji Brown Jackson)
Indicado por Bill Clinton em 1994

Sonia Sotomayor, 67
Indicada por Barack Obama em 2009

Elena Kagan, 61
Indicada por Obama em 2010​


Fonte: Folha de São Paulo

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