Receita com royalties do petróleo dispara e turbina caixas de governos com R$ 118,7 bi no ano eleitoral

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Receita com royalties do petróleo dispara e turbina caixas de governos com R$ 118,7 bi no ano eleitoral


Disparada dos preços internacionais puxam novo recorde em receitas do setor no país. Alta do dólar e expansão da produção do pré-sal também ajudam

PORTO VELHO, RO - A disparada dos preços internacionais do petróleo reforça os cofres públicos no ano eleitoral. Depois de bater recorde em 2021, avançando 65% em relação ao ano anterior, a arrecadação de União, estados e municípios com royalties e participações especiais da produção de petróleo e gás no país deve terminar o ano com um novo salto de nada menos do que 58,9%, para R$ 118,7 bilhões, segundo projeção da Agência Nacional do Petróleo (ANP).

Em janeiro, a previsão era de quase R$ 77 bilhões no ano. A revisão reflete a aceleração da trajetória de alta do barril no mercado internacional provocada pela eclosão da guerra na Ucrânia no fim de fevereiro e as sanções impostas à Rússia, que é um dos maiores produtores do mundo.

Também influenciam a conta o dólar ainda alto e a expansão da produção nos campos de alta produtividade do pré-sal na Bacia de Santos.


Plataforma da Petrobras em campo do pré-sal, na Bacia de Santos Foto: Divulgação / Petrobras

Especialistas alertam para o risco de o calendário eleitoral impedir a aplicação dessa “gordura extra” em investimentos de longo prazo como saúde, saneamento, educação e meio ambiente, como prevê a lei.

A receita dos royalites (cujas alíquotas em contratos variam de 5% a 15% do valor da produção mensal) e participações especiais (contribuições extras trimestrais com alíquotas progressivas para campos de grande volume de produção) tem sido turbinada pelo dólar alto e pela valorização do petróleo desde a retomada da economia global no ano passado, após o baque da Covid-19.

Em março deste ano, o barril do tipo Brent bateu US$ 139, a maior cotação desde 2008. Apesar do recuo nas últimas semanas, ainda acumula um salto de mais de 30% neste ano. Na sexta-feira passada, o contrato futuro do Brent terminou o dia em US$ 102,78.

RJ fica com a maior parte

A expectativa é que os preços do petróleo continuem altos durante o ano, o que encarece os combustíveis, mas favorece principalmente estados e municípios, que ficam com cerca de 60% dos royalties.

Governadores e prefeitos de Rio de Janeiro, São Paulo e Espírito Santo são os mais beneficiados por concentrarem a maior parte da produção no mar.

A tendência é que cidades como as fluminenses Maricá, Niterói e Macaé, a paulista Ilhabela e a capixaba Presidente Kennedy se mantenham na liderança dessa arrecadação, com a manutenção em vigor do sistema que privilegia os entes federativos produtores.

Uma lei aprovada no Congresso para alterar essa distribuição segue suspensa à espera de uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).

Segundo dados da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), somente a receita dos municípios fluminenses com royalties cresceu 66% em 2021, somando R$ 8,6 bilhões, a quinta alta consecutiva.

Alguns municípios do estado também receberam participações especiais, totalizando R$ 2,9 bilhões. Mais otimista que a ANP, a Firjan prevê que a arrecadação de royalties no país cresça 83% este ano, considerando a cotação do barril em US$ 115 e a do dólar em R$ 4,92.

— Hoje, o Rio responde por cerca de 80% do total de petróleo produzido no país. E esse percentual só tende a crescer porque as principais oportunidades de expansão da produção estão localizadas em águas fluminenses — diz Fernando Montera, coordenador de Conteúdo de Petróleo, Gás e Naval da Firjan.

Especialistas em contas públicas concordam que o prolongamento do conflito entre Rússia e Ucrânia ainda pode levar as cotações do petróleo a níveis mais altos ou mantê-las pressionadas por mais tempo, resultando numa receita ainda maior que o previsto para este ano.

No entanto, alertam para o risco de gestores usarem mal os recursos extras por causa da pressão do calendário eleitoral para elevar despesas de custeio.

Royalties foram criados para financiar investimentos e políticas de longo prazo capazes de promover desenvolvimento sustentável para um futuro sem o petróleo, mas são recorrentes as manobras fiscais para gastos correntes e isenção de impostos.

— É preciso que as amarras da Lei de Responsabilidade Fiscal e da lei eleitoral sejam ainda mais destacadas para evitar gastos e renúncias permanentes em cima de uma receita temporária — diz Vilma Pinto, diretora da Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão ligado ao Senado Federal.

Istvan Kaznar, professor da Ebape/FGV, alerta para a falta de expertise dentro das secretarias de fazenda para alocar os royalties em planejamentos estratégicos de cinco, dez anos.

Ele destaca que desequilíbrios financeiros constantes levam prefeitos, que funcionam como os principais cabos eleitorais em anos de eleições para presidente e governadores, a direcionarem royalties para o custeio da máquina pública.

Apelo eleitoral

Os impactos da pandemia tendem a reforçar o apelo de gastos eleitoreiros com o aumento das demandas sociais imediatas.

— Há administrações sérias, mas infelizmente muitos entes federativos usam royalties para criar cabides de empregos — observa Kaznar.

Rodrigo Lira, professor da Universidade Cândido Mendes (Ucam), concorda:

— O município acaba alocando essa renda oriunda do petróleo em custeio e isso é agravado pela gramática da política brasileira. Em ano de eleição, então, imagina. Se não tiver regramento, acaba sendo revertido para aumento de salários e algumas políticas de custeio que depois o município não vai conseguir manter.

O risco de continuidade das ações é real, já que a festa da multiplicação dos royalties tem data para acabar. Em 2023, a ANP prevê uma queda de 7,62% na receita total de royalties e participações especiais. E, a partir de 2024, a expansão deve retomar ritmo bem mais moderado.

— Hoje o preço do petróleo está num patamar histórico, mas, a partir de 2023, pode cair, e com um real mais valorizado do que as médias de 2021 e 2022. Tudo isso pode jogar contra, e a tendência é que a arrecadação deste ano não se repita — diz Edmar Almeida, professor do Instituto de Energia da PUC-Rio.

Para Fernando Montera, da Firjan, os municípios impactados pela bonança dos royalties precisam aprender a se preparar para os desafios que também são trazidos pela indústria do petróleo, como riscos ambientais advindos da exploração, bem como com a atração de migrantes, que aumenta a demanda por serviços públicos:

— É importante pensar que (o petróleo) é um recurso finito e variável. Hoje, o preço está alto, amanhã pode estar baixo, e a responsabilidade na utilização do recurso tem que levar em consideração essa realidade.

Plano de futuro

Rodrigo Lira, da Ucam, enfatiza a necessidade de os municípios descobrirem sua vocação e usar os recursos do petróleo para estimular alternativas econômicas:

— Todo o investimento precisa ser antecedido de um diagnóstico para que se entenda quais seriam as vocações dessa cidade, para então fomentar o desenvolvimento dessas atividades. Atento a essa projeção de arrecadação, o olhar do governante precisa ser no desenvolvimento econômico da cidade e não em situações pontuais.


Fonte: O Globo

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