Ucranianas compartilham seu olhar sobre a guerra, opiniões políticas e medos maternos

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Ucranianas compartilham seu olhar sobre a guerra, opiniões políticas e medos maternos

Neste Dia Internacional da Mulher, milhões de ucranianas tentam sobreviver, enquanto enfrentam mais um conflito em seu país

PORTO VELHO, RO - As guerras frequentemente são contadas pela perspectiva masculina ao longo dos séculos, mas as mulheres sempre estiveram em meio aos conflitos, reconstruindo cidades, redefinindo estruturas sociais e, inclusive, presentes nos campos de batalha.

Neste 8 de março, Dia Internacional da Mulher, milhões de ucranianas enfrentam as consequências da invasão russa e para muitas delas os horrores da guerra não são novidade.

Devido ao decreto da Lei Marcial, muitos pensam nos homens que não puderam deixar seu país. Mas como estão as mulheres que também ficaram? Onde estão as que saíram por causa dos filhos ou para fugir da pobreza e das violências que perseguem os corpos femininos? Neste dia, quatro ucranianas quiseram contar suas histórias.

Natali Ishchuk


“Me casei no dia da invasão”



Acordei com o barulho de três explosões no aeroporto próximo à minha cidade, Lutsk. Era o primeiro dia da invasão russa, mas também era o dia do meu casamento. Por sorte, o tabelião entendeu a situação e decidiu realizar a cerimônia, apesar da guerra.

Logo após o casamento, entramos no carro para ir embora. A cidade estava um caos, demoramos duas horas na fila do posto de gasolina. O caminho para Lviv foi difícil, levamos 33 horas para sair da Ucrânia e, finalmente, entrar na Polônia. Durante a fuga não tínhamos como comprar comida, passamos dois dias apenas com água e bolachas.

Em meio ao frio, várias mulheres tentavam ultrapassar a fronteira com suas crianças. Muitas enfrentavam dificuldades para entrar no território ucraniano, já que aquela parte da fronteira apenas permitia a passagem de carros. Por isso, decidimos dar carona a três pessoas, para que ao nosso lado saíssem do país.

O lado polonês estava bem mais organizado, nos ofereceram água, comida e bebidas quentes. Mas, como meu marido é italiano, decidimos ir mais longe. Pegamos um avião para Roma e de lá tentamos seguir para Londres, onde ele tem residência. Esperei 15 horas no aeroporto até o governo britânico autorizar minha entrada no país.

Desde que cheguei aqui, este é o segundo dia que consigo dormir por causa de todo o estresse que passei. O resto da minha família permaneceu em Lutsk, são pessoas que trabalharam muito para ter um investimento e ter uma chance de empreender. Para eles, é um choque ter que deixar tudo para trás e recomeçar.

Toda a comunidade está se preparando para um ataque. Todo mundo se ajuda como pode, porque isso vai acontecer, a gente sabe que a invasão não vai parar até os russos tomarem tudo.

A maioria dos ucranianos acha que as negociações não vão dar certo. A única chance de dar certo é derrotar a Rússia e Putin morrer, porque as exigências que ele faz são impossíveis para uma Ucrânia livre e independente. Se aceitarmos essas condições, seremos um país sem futuro, sem perspectivas.

Morei cinco anos no Brasil, na cidade de Goiânia, fui professora de russo e de inglês, mas não penso em voltar. Agora, penso em fazer a vida ao lado do meu marido.

Depois da invasão, me sinto completamente perdida, desde 24 de fevereiro não consigo me entreter. Antes da guerra, quando escutava uma música, costumava cantar e dançar, mas agora sinto culpa por estar me divertindo. Sempre parece que estou fazendo pouco para ajudar meu país.


Mila Ruhman


"Tenho 34 anos e já passei por duas guerras"



Há oito anos, quando soldados russos entraram em minha cidade com tanques de guerra, eu decidi partir. Em Donetsk, quase não conseguia sair de casa, e trabalhar também era difícil. Eu sou órfã, só tenho minha avó, ela decidiu ficar quando fui refazer minha vida em Kiev.

No dia 24 de fevereiro, às 5h, eu percebi que os russos voltavam a nos atacar, entendi que mais uma guerra havia começado. Mais uma vez eu precisei fugir. Saí de casa com uma mochila e com meu gato e dirigi 27 horas até chegar a Lviv.

Ninguém esperava que esta invasão acontecesse. Como poderíamos acreditar nas ameaças de Putin? Estamos no século 21. Depois da chegada dos russos, passei a acompanhar o calendário pelos dias da guerra.

Eu me sinto vazia, antes eu podia sonhar, mas agora tudo foi desfeito. Eu costumava acreditar na ciência e no progresso, tinha o sonho de me tornar uma professora universitária.

Com a invasão, todos os meus amigos homens foram para a guerra, nenhum deles permaneceu em casa, tanto os militares como os civis. Há duas semanas, se alguém me falasse que os ucranianos iriam se unir contra a Rússia, eu não acreditaria.

Mas o que vejo agora, depois da invasão, me faz ter orgulho do meu país e me faz querer permanecer aqui. Eu não quero me tornar uma refugiada, não gostaria de viver assim.

Acredito que, se esta guerra é o preço que devemos pagar para ser parte da União Europeia e da Otan, ela não vale a pena. Esses grupos não valem a vida de um cidadão ucraniano.

Nunca esperei ajuda da Otan, quero que esta guerra acabe agora, tenho medo de que a Ucrânia possa ser o próximo Afeganistão. Também receio que as pessoas e a imprensa parem de falar sobre a guerra no nosso país se ela continuar, assim como aconteceu com a Síria.

Eu espero que as pessoas nunca conheçam a guerra. Eu tenho 34 anos e já passei por duas, tambem tenho medo de ter desperdiçado os melhores anos da minha vida tentando sobreviver.

Yaroslava Kyrelejza

"Tento dizer a minha filha que voltaremos logo para casa"



Na manhã de 24 de fevereiro acordei com uma ligação da minha irmã: “A guerra começou”. Nesse momento a vida parou. Tudo o que eu achava que era muito importante desapareceu.

Todos os dias precisávamos ir ao estacionamento por causa das sirenes de alerta. À noite, eu acordava minha filha, de 4 anos, e seguia as instruções, eu tentava explicar o que estava acontecendo.

Em uma manhã ela me disse: “Mamãe, precisamos ir ao estacionamento porque os homens malvados vão nos atacar e podemos morrer”. Eu nunca pensei que minha filha diria algo assim aos 4 anos de idade.

Faz três dias que nós decidimos sair da nossa cidade, Lviv, e partimos para Varsóvia, na Polônia. No ônibus em que viajamos, só havia mulheres e crianças, já que os homens não podem sair do país, entre eles está meu marido.

Minha irmã é policial e também ficou na Ucrânia para lutar contra a invasão russa. Hoje ela está lutando em Korosten, no norte do país, e no domingo enfrentou um bombardeio.

Eu e minha filha choramos muito por causa dessa situação, ela quer ir para casa e eu tento dizer que voltaremos logo. Mas, na verdade, precisamos viajar. Estamos tentando ir para os Estados Unidos, porém os americanos ainda não nos aceitam como refugiadas.

A Otan não vai fechar o espaço aéreo ucraniano, mas poderia nos ajudar de outras maneiras. Tudo que eles fazem, infelizmente, demora demais. Acho que a Rússia já entendeu que perdeu esta guerra, mas não pode se render.

Adrianna Khandoga


"Posso dizer com confiança que esta é a Terceira Guerra Mundial"


Eu moro no oeste da Ucrânia, os piores combates da guerra estão acontecendo no leste do país, onde muitas pessoas estão deixando suas casas.

Um aeroporto foi atacado na área onde moro, as sirenes tocam nas cidades todos os dias (isso significa que você precisa se esconder). Sempre que acontece, pego meu filho e vou para o porão, ou para o corredor, onde não tem janelas.

Há muitos refugiados na minha cidade, todos nós ajudamos uns aos outros. Agora vivemos com medo, e posso dizer com confiança que esta é a Terceira Guerra Mundial. Os russos ameaçam o mundo inteiro, porque explodem usinas nucleares e falam em armas nucleares, temos pessoas morrendo e crianças inocentes em meio à guerra.

É muito assustador, eu choro e rezo todos os dias por todos nós, por todos que lutam e estão morrendo por causa de uma pessoa doente que ninguém pode parar.

Meu filho tem medo do som das sirenes, ele fica muito assustado. As pessoas que estão agora nos "pontos quentes" não saem dos porões por alguns dias, ficam sem água, aquecimento e comida.

Há pessoas da minha família que se ofereceram para defender nosso país e nosso povo.
Tudo o que fazemos é orar. Pedimos à Otan que feche nosso espaço aéreo, mas eles se recusam.


Fonte: R7

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