Carandiru: Matança no presídio há 40 anos foi um prenúncio do massacre de 1992 que virou filme

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Carandiru: Matança no presídio há 40 anos foi um prenúncio do massacre de 1992 que virou filme


Carandiru. Movimentação na porta da Casa de Detenção, durante rebelião | Foto de Antonio Carlos Piccino/Agência O GLOBO



PORTO VELHO, RO - O diretor da Casa de Detenção de São Paulo, no bairro do Carandiru, estava almoçando no refeitório do presídio com mais de dez convidados, entre médicos, advogados e assessores, quando viu uma imagem que quase o fez engasgar. Por volta de meio-dia daquela segunda-feira, 29 de março de 1982, seis detentos armados com revólveres, facas e estiletes entraram no salão e fizeram Luiz Camargo Wolfmann e seus acompanhantes de reféns.

Dois guardas foram assassinados na ação, enquanto, nas galerias de celas, internos ateavam fogo em colchões para mostrar que a penitenciária tinha "virado". Era o início uma rebelião que seria exibida ao vivo para todo o país pela TV e que, ao acabar em uma matança, com 16 corpos, exporia para o Brasil o inferno do sistema carcerário nacional, dez anos antes do episódio de 1992 conhecido como o "massacre do Carandiru", quando 111 presos foram mortos pela polícia.

Construída nos anos 1940, a Casa de Detenção de São Paulo era local de distúrbios desde a década de 1950, quando o presídio já sofria com a superlotação. Ao longo do tempo, as péssimas condições de vida e a atmosfera de violência na penitenciária jamais foram solucionadas. Em 1982, nos anos finais da ditadura militar, havia mais de 6 mil detentos na unidade, que tinha capacidade para 2,2 mil internos.


Carandiru. Reféns no terraço do Pavilhão 2, durante rebelião | Foto de Antonio Carlos Piccino/Agência O GLOBO

Minutos após o começo do motim, a polícia já havia isolado e cercado o quarteirão. No cerco, autoridades como o desembargador José Carlos Ferreira de Oliveira, secretário de Justiça de São Paulo, tentavam negociar com os detentos. Enquanto os líderes da rebelião exigiam veículos para fugir da unidade, muitos pareciam bem mais interessados em denunciar os problemas internos.

A partir das 14h, os amotinados começaram a jogar bilhetes denunciando crimes de funcionários. Os internos exigiam melhores condições de vida e mais respeito com seus parentes. Segundo as queixas, os guardas se apropriavam da comida e de presentes levados por famílias nos dias de visita. Além disso, a unidade mantinha muitos detentos já haviam cumprido suas penas, mas continuavam ali à espera dos trâmites burocráticos. "O barril de pólvora vai explodir", diziam.

O episódio serviu para demonstrar o despreparo policial para lidar com uma situação desse tipo. Os agentes acionavam suas armas ao sinal de qualquer movimento suspeito. Às 15h30, ocorreu um primeiro tiroteio, de cerca de 15 minutos, entre policiais e revoltosos. Houve correria, com jornalistas e policiais do lado de fora se abrigando dos disparos. Em seguida, um grupo de pessoas que apareceu no terraço do Pavilhão 2 com as mãos para cima. Os agentes começaram a atirar contra elas e só pararam ao ouvir os gritos desesperados: eram todos reféns.


Carandiru. Corpos de dois detentos mortos são levados por policiais | Foto de Antonio Carlos Piccino/Agência O GLOBO

Um jovem foi trazido por policiais sob a alegação de que ele estaria instigando internos do Pavilão 7 a se rebelar também. Diante da imprensa, o suspeito foi "espancado por cerca de 20 invesigadores, aos gritos e palavrões, antes de ser levado para dentro da casa de detenção", contou a reportagem do GLOBO, na época.

O levante foi sufocado por volta das 17h. Quando policiais arrombaram a porta da rouparia, encontraram o diretor do presídio rendido, com as mãos para o alto, sob a mira do traficante Miguel Farina, conhecido como Gringo, um dos líderes da revolta. Ao ver os agentes, Wolfmann se atracou com o detento, aplicando-lhe uma cabeçada e segurando-lhe o braço, enquanto o bandido disparava a mesmo.

Outra equipe de agentes foi encarregada de invadir o terraço, onde havia 11 reféns. Depois de arrombarem a porta de aço com marretadas e disparos, eles entraram atirando e recebendo disparos, enquanto os reféns tentavam se proteger.

"A gente estava num fogo cruzado. Se reagíssemos, seríamos mortos pelos presos. Se permanecessemos ali, parados, corríamos o risco de receber uma bala da polícia, que atirava por todos os lados", contou o advogado Ogg Santanela. "Na confusão formada, o preso chegou a disparar contra mim. Mas ele errou porque, a essa altura, eu já corria e me escondia debaixo do telhado".

Todos os líderes da rebelião foram mortos, além de outros detentos suspeitos de envolvimento. "Sei que nem todos estavam armados, mas, na confusão, atiramos em todo mundo que resistiu", disse o tenente Mendonça, um dos primeiros a chegar no telhado do Pavilhão 2, reconhecendo a truculência e a falta de protocolo da ação policial. "Não havia jeito de saber quem era quem".


Carandiru. Soldados removem corpo de preso morto na rebelião de 1982 | Foto de Antonio Carlos Piccino/Agência O GLOBO



Fonte: O Globo

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