Arroz, uma paixão mundial: a importância do ingrediente para a cultura gastronômica

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Arroz, uma paixão mundial: a importância do ingrediente para a cultura gastronômica

 

                     Na Itália, o arroz é a estrela de pratos como o risoto e o arancini.| Foto: Bigstock

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Gisele Rech


Pense rápido: se perguntarem a você qual o alimento que representa a comida do dia a dia do brasileiro, certamente vem à mente a dupla arroz e feijão. A parceria entre o grão e a leguminosa é tão trivial que representa, até mesmo, uma expressão que indica sinônimo para algo que é básico, simples.

Mas aqui, vale frisar, que o arroz também aparece como acompanhamento ou ingrediente principal de outros pratos, não necessariamente ao lado do feijão. Não à toa, o Brasil aparece como décimo maior consumidor do produto no mundo, de acordo com a Embrapa Arroz e Feijão.


A combinação do arroz com o feijão faz parte da comida trivial do brasileiro. | Bigstock


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Segundo o chef Michel Darqué, da Le Cordon Bleu de São Paulo, o hábito de comer arroz chegou ao Brasil com os portugueses, como outros tantos hábitos alimentares, como guarnição para a feijoada.

“Vale ressaltar que a história de que os escravos teriam criado a feijoada é um mito. Há comprovantes de compras datados da Princesa Isabel que dão conta que a feijoada estava no cardápio dos portugueses e podemos perceber em outros países de língua portuguesa, como Moçambique, que o arroz aparece como acompanhamento do feijão”, reforça o chef.

Com o tempo e a partir da versatilidade do arroz, o grão começou a se popularizar como acompanhamento de outros pratos e outras receitas na mesa do brasileiro. “Depois de um tempo, o arroz encontrou seu protagonismo também. Até nas ceias de Natal não pode faltar arroz. Sem ele, não existe uma refeição no Brasil. É semelhante ao que acontece com as batatas na França”, compara.

Sem exagero, o chef afirma que o grão é quase uma religião no Brasil. “Todas as mesas têm arroz. É algo que não se desgruda da cultura brasileira. É a base de sustentação da alimentação, um item da cesta básica das famílias. Pode não se ter proteína na refeição, mas o arroz não falta. E ele inspira muitas receitas de diferentes regiões, como o arroz de forno, baião de dois, canja e a galinhada”, lembra Darqué.


Arroz como produto mundial

Apesar da popularidade do produto no Brasil, quem está no topo da produção – e consumo – mundial do grão é a China, com 27,75% total do arroz produzido no planeta. Na sequência, vem a Índia, com pouco mais de 23%, seguida por Indonésia e Bangladesh.

O Brasil fica em 12º lugar no ranking, com quase sete milhões de toneladas produzidas em 2019, segundo a Embrapa Arroz e Feijão. “Em escala mundial, o Brasil é o maior consumidor do produto fora do continente asiático”, garante o pesquisador Alcido Wander.

Por aqui, os grãos mais consumidos são do tipo longo-fino – o chamado tipo agulhinha, ou long-grain rice, também consumido em países europeus e nas Américas, de uma maneira ampla. “No entanto, outros tipos como o arbóreo (arroz de culinária italiana) e o arroz para a culinária japonesa também são consumidos, em quantidades bem menores que o longo-fino”, explica Alcido.

Já em países como Índia, o cultivo e o consumo mais efetivos é o do chamado arroz aromático, de grãos longos, que, ao ser cozido, libera aromas característicos. “Esses grãos também são apreciados em países do Oriente Médio. O arroz basmati é o exemplo mais conhecido internacionalmente."

Do Japão para o mundo

Os sushis, iguaria da culinária japonesa, são feitos com o arroz do tipo Koshihikari, conhecido no Brasil como arroz japonês. Na foto, sushi do restaurante estrelado Ryo.| Reprodução/ Instagram

No Brasil, marcado fortemente pela imigração japonesa, os pratos típicos como o sushi, fazem cada vez mais sucesso. Mas o que muitos não sabem é que, no Japão, o grão milenar extrapola o status de comida.

De acordo com o premiado chef Edson Yamashita, à frente do duas estrelas Michelin Ryo, de São Paulo, mais do que um alimento, no Japão o arroz encerra toda uma simbologia espiritual. “O arroz é a comida da alma, visto como uma benção. No Japão, está presente em altares budistas e representa os valores daquilo que é colhido, o que vem da terra, gratidão”, explica.

Descendente de japoneses, Yamashita teve a oportunidade de viver por quase dez anos no Japão e testemunhar a relação dos locais com o grão milenar, que na gastronomia está presente em várias frentes.

“No Japão, são utilizados vários tipos de grãos. Além de presente em alimentos como sushi ou o gohan, que costuma acompanhar uma proteína, o arroz também é ingrediente do saquê e de temperos, como o vinagre”, reforça o chef.

Dentre todos os tipos doo produto, o mais cultivado no Japão é o Koshihikari, conhecido no Brasil como arroz japonês. O grão tem um formato mais arredondado e é o ingrediente principal do sushi, uma das referências gastronômicas japonesas.

Outro fato curioso sobre a presença do arroz no dia a dia dos japoneses é que o ingrediente também vai à mesa no café da manhã. “É muito comum consumi-lo quente com uma conserva ou um peixinho na primeira refeição do dia, que também costuma ter frutas e pão”, explica Yamashita.

“No Japão, são utilizados vários tipos de grãos. Além de presente em alimentos como sushi ou o gohan, que costuma acompanhar uma proteína, o arroz também é ingrediente do saquê e de temperos, como o vinagre”, reforça o chef.


Arroz como identidade espanhola

A paella tradicional valenciana é feita com o arroz redondo, como o bomba, que absorve mais os sabores e resiste melhor às altas temperaturas.| Bigstock


Assim como o Japão e seus sushis, a Espanha também tem no arroz um de seus pratos mais emblemáticos. Na escala mundial do consumo do produto, a Espanha aparece em 51º e, possivelmente, muito em função de um dos pratos mais tradicionais da gastronomia ibérica: a paella.

O chef espanhol Daniel del Toro, entusiasta do ingrediente, afirma que o arroz chegou à Península Ibérica pelas mãos dos árabes e começou a ser cultivado na região do Mediterrâneo. “Hoje, o arroz é um dos principais produtos da dieta dos espanhóis”, afirma o chef. Além da paella, há pratos populares como o arroz de pato, entre outros.

A paella teve seus primeiros registros na região de Valência e começou a figurar em guias de viagem já no século 14. O prato consiste em uma espécie de guisado de arroz, carne e verduras, com o toque especial do açafrão, preparado em uma panela rasa com laterais inclinadas e, de preferência, em fogão a lenha.

De acordo com Del Toro, ao lado da tortilla e do gaspacho, o prato preparado à base do grão é, talvez, um dos mais conhecidos do mundo. “A paella valenciana é a mais tradicional e é elaborada com produtos típicos da região, como coelho, frango e o garrafón (espécie de feijão branco). Outro cuidado é usar o arroz redondo como o bomba, que absorve mais os sabores dos caldos e resiste melhor às altas temperaturas.

Aliás, o nome paella faz referência, justamente, à panela utilizada para cozer o arroz. Ao longo dos anos e dependendo da região, a paella pode ser preparada com outros ingredientes. “A paella pode ser elaborada com peixe, marisco, carne ou verdura e, em geral, é feita em grande quantidade, para um bom número de comensais”, acrescenta Beverly Leblanc, no livro Cocinas del Mundo España. No Brasil, a paella que acabou se tornando mais conhecida é a marinera, feita com frutos do mar.


Arroz à italiana

O risoto é um prato tipicamente italiano que se popularizou no mundo todo. Foto: Pixabay


É bem verdade que quando o assunto é gastronomia, quando a gente pensa na Itália, as massas e as pizzas carregam uma relação quase simbiótica com o que é levado à mesa. Mas, mesmo que não tenha tanto protagonismo, o risoto figura entre os pratos italianos que se disseminaram pelo mundo, incluindo o Brasil.

Por aqui, o prato preparado à base de arroz chegou pelas mãos dos imigrantes, em meados do século 19, e foi adaptado ao tipo de grão presente por aqui. Com o tempo e com a entrada de produtos importados no Brasil, o arroz arbóreo – em maior escala – e o carnaroli, os risotos preparados por aqui começaram a ganhar uma identidade mais próxima ao autêntico prato italiano.

Segundo a escritora Myrna Corrêa, as principais características de um risoto são a umidade, conseguida por meio de caldos e do vinho usado no preparo, e a untuosidade. “Para a garantia da boa qualidade, entram fatores como a escolha do grão de arroz adequado e a correta distribuição de líquidos e matérias gordurosas."

Quanto o assunto é risoto, as versões são muitas. Vão desde o tradicional risoto milanês, à base de açafrão, tutano e queijo, aos risotos de vegetais, cogumelos, carnes e frutos do mar. Do risoto, quando há sobras, é possível, ainda, produzir bolinhos como o arancini. Aliás, o arancini lembra muito, guardada as devidas diferenças, o brasileiríssimo bolinho de arroz, um dos tantos produtos nacionais feitos a partir do grão milenar.

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